domingo, 11 de julho de 2010

Sobre o fim inadiável


1º final

E um dia, dirigindo de volta pra casa tarde da noite após ter feito hora extra, ela parou no sinal à espera de a luz verde se acender. A rua estava deserta. Olhou para os lados e para o retrovisor para ver se alguém se aproxima. Ninguém. Finalmente o verde acendeu e ela vai tirando o pé da embreagem vagarosamente e pisando no acelerador. Só conseguiu escutar uma buzina alta à sua esquerda e uma luz forte que se aproximava rapidamente... E então a escuridão.

No instante seguinte, ela estava caminhando por um caminho ladeado de flores. Uma paisagem que não saberia descrever nunca, apenas sentir. E foi então que ela sentiu a liberdade pela primeira vez em anos. E aquela sensação invadiu o seu ser e ela se arrependeu por nunca ter experimentado aquilo na vida. E chorou feito um bebê, sem saber nem porque, se era pela felicidade de estar vivendo finalmente aquilo, ou se pelo arrependimento de sempre ter postergado vivenciar tal momento.

Do outro lado da vida, um grupo de médicos decidia o destino da paciente com morte cerebral que havia chegado na noite anterior após ter sofrido um grave acidente de carro.

2º final

E um dia, dirigindo de volta pra casa tarde da noite após ter feito hora extra, ela parou no sinal à espera de a luz verde se acender. A rua estava deserta. Olhou para os lados e para o retrovisor para ver se alguém se aproxima. Somente um mendigo que se aproxima para pedir dinheiro. Ao chegar próximo ao vidro do carro ele mostra sutilmente a arma que carrega consigo e grita para ela sair do carro. E ali mesmo, no meio da rua deserta e fétida da cidade ele a estupra. Ela ainda tenta resistir e gritar, mas ele era bem maior do que ela e mais forte. Durou pouco mais de 10 angustiantes minutos. Mas para ela foi uma eternidade de repúdio e asco.

Foi a primeira vez que ela faltou ao trabalho em toda a sua vida. Não desejava mais sair de casa, tinha pânico, lembrava do rosto do mendigo barbudo entrando nela com brutalidade. E sem sair de casa, pediu afastamento do emprego. Estava só, ninguém estava por ela naquele momento.

Nove meses depois, o fruto daquele estupro nascia. A gravidez foi complicada, o parto também. A criança nasceu prematura com problemas neurológicos e necessitava de cuidados especiais para sobreviver. A mãe não tinha condições financeiras nem psicológicas de tratar daquela criança. Foi triste presenciar aquela cena: o juizado de menores arrancar das mãos daquela mãe considerada insana o único vínculo que a mantinha de pé ainda. Dois dias depois ela desistiu e voou para longe do oitavo andar do seu prédio.

3º final

E um dia, dirigindo de volta pra casa tarde da noite após ter feito hora extra, ela parou no sinal à espera de a luz verde se acender. A rua estava deserta. Olhou para os lados e para o retrovisor para ver se alguém se aproxima. O sinal abriu. E então num impulso não dobrou a esquina em direção ao seu apartamento. Resolveu seguir em frente, rumo ao barzinho onde seus companheiros de trabalho sempre iam. Sempre a chamavam mas ela sempre inventava uma desculpa para não ir. Dessa vez resolveu aparecer. Todos ficaram muito surpresos com a chegada da "Chefe". Foi uma noite maravilhosa para ela. Jamais imaginara que pudesse se divertir tanto. Aliás, era a primeira vez que ela fazia isso em anos. Ousara até beber uns drinks.

Naquela noite, foi para casa acompanhada de um rapaz que conhecera. Todas as mulheres do ambiente estavam de olho nele, era o rapaz mais bonito que ela já vira na vida. Brilhantes olhos verdes, um rosto com uma barba por fazer que o deixava mais charmoso, bem vestido. Era um sonho. Ainda sob efeito dos drinks ela se deixou levar pelo desejo contido durante tempos. Se entregou para ele e transou como se fosse a última coisa que faria na sua vida. Como ela conseguira adiar por tanto tempo aquele desejo de liberdade dentro de si?

No outro dia, ao acordar, não se lembrava de muita coisa, mas sentiu falta de uma presença ao seu lado. Levantou-se, foi até a cozinha e lá estava ele, o deus grego da noite anterior. Então não fora um sonho. Estava vivendo o melhor momento da sua vida. Mal sabia ela que o rapaz nunca mais voltaria a aparecer e que poucas semanas depois do ocorrido, começaria a emagrecer rapidamente. Fez uns exames e na consulta com o médico só conseguira escultar duas palavras antes de o seu mundo desabar: HIV positivo.

4º final

E um dia, dirigindo de volta pra casa tarde da noite após ter feito hora extra, ela parou no sinal à espera de a luz verde se acender. A rua estava deserta. Olhou para os lados e para o retrovisor para ver se alguém se aproxima. Ninguém. O sinal acendeu e ela seguiu pra casa. Chegando lá olhou para as correspondências sobre a mesa. Cartas dos seus pais, contas a pagar. Cansada ela estirou seus pés sobre a mesinha de cabeceira. E voltou a tossir. Começou a estranhar essa tosse persistente que ela sempre sentia ao chegar em casa. Fazia mais de um mês que isso acontecia. Logo tomou um remédio e foi dormir. Depois marcaria um médico, agora estava sem tempo para aquilo.

No outro dia, voltou a tossir, dessa vez no trabalho. Sua garganta doía muito. Naquela noite em casa, tossiu sangue vermelho vivo. Na mesma hora começou a sentir um cansaço e uma dificuldade de respirar. Entrou em pânico. Ligou para a Emergência. Em meia hora estava no hospital mais próximo. Após exames, o médico sentenciou: "Câncer de Pulmão, você tem mais 6 meses de vida."

E foram os seis meses mais bem vividos por ela. Voltou para casa dos seus pais, reencontrou seus amigos de infância e da época do colégio, namorou o rapaz mais bonito da turma por quem sempre fora apaixonada, realizou seu sonho de viajar para África, doou parte da sua fortuna para empresas beneficentes, patinou no gelo, recebeu flores, deu gargalhadas, comeu sorvete, caminhou na praia de mãos dadas... foi feliz. Nos últimos dias de vida, ao perguntarem sua idade ela respondeu: 6 meses.

Um comentário:

Hugo disse...

Eu diria que o final do HIV é o melhor! Agora ela pode se vingar também né, só q com outras pessoas!