sexta-feira, 9 de julho de 2010

Sobre o eterno adiar


“Com certeza teria tempo depois.” Era esse o pensamento dela a maior parte do tempo, desde que completara 15 anos e resolvera ingressar numa difícil faculdade pública de sua cidade.

Começou tentando passar na tal faculdade. Estudava dia e noite, de domingo à domingo, faça chuva ou faça sol. Nunca foi de sair à noite para festas e o fanatismo pelos estudos fez com que ela se distanciasse dos colegas de sala, dificultando ainda mais sua vida social. Durante as viagens os livros sempre a acompanhavam. Namorar nem pensar. Porém ela não via naquilo um problema, sabia que estava fazendo o melhor para si, pois depois que passasse com certeza teria tempo pra fazer tudo que não fizera. Infelizmente na sua primeira tentativa de vestibular, apesar dos esforços, não passou. Focara muito no conhecimento e descuidara do psicológico. Resultado: nervosismo, má administração do tempo de prova, choro descontrolado, desastre total.

Foi um baque, mas ela superaria, dessa vez com mais estudos e uma pitada de controle emocional. Foi nessa época que começou a freqüentar o psicólogo para manter sua estabilidade emocional durante a prova. Após outro ano de abdicação e total dedicação aos estudos ela logrou êxito no vestibular. Passara em 54º lugar. Agora sim, teria tempo para fazer tudo que havia abdicado naqueles anos.

Em pouco mais de um mês as aulas na faculdade começaram. O volume de matéria era muito maior do que antes e o tempo para estudar muito menor. Fora isso ainda haviam atividades extras para incrementar o currículo: projetos de pesquisa, projetos de extensão, estágios, monitorias. A instabilidade emocional dela voltou a afetar seu dia-a-dia. Desesperava-se facilmente com a quantidade de coisas a fazer. Devido ao volume exorbitante de estudos, sempre se mantivera distante da sua turma, pois achava que perderia o foco caso se envolvesse com as pessoas da faculdade, afinal eles viviam em festas, bebiam, viajavam, alguns tiravam notas baixas, e não era isso que ela queria para si. Por isso, não tinha sequer um amigo com quem pudesse conversar, confiar segredos, rir.

“Com certeza teria tempo para tudo isso depois.” Voltara a pensar nisso. E assim levou a faculdade. Quando não mais agüentava a pressão que ela se auto impunha corria para o psicólogo e desabafava tudo que tinha em mente. Este era como uma válvula de escape.

Alguns anos nessa luta e, enfim, terminara o curso. A formatura foi linda, sua família estava orgulhosa da filha que se formara no curso mais difícil da faculdade pública mais bem conceituada do país. Ao redor todos eram só alegria, parentes se abraçando, namorados se beijando, amigos relembrando os bons tempos vividos. E ela sentada na sua mesa feliz pela sua conquista. Finalmente teria tempo para escrever a história da sua vida, iria namorar, sair para festas, viajar pelo país, conhecer gente nova, iria desfrutar da vida pela qual se privou todo esse tempo. Era essa a esperança que a movia naquele momento. Nem sequer a sua ausência nas fotos das festas da turma que passaram a ser exibidas no telão lhe causou tristeza.

Já tinha uma pós-graduação em mente ao terminar a faculdade, fora da cidade onde morava com os pais. Acabou se mudando para lá dois meses depois, indo morar sozinha no centro de uma cidade grande. Continuou difícil lidar com o tempo durante a pós. Precisava estudar muito, além de trabalhar e cuidar dos afazeres da casa. Economizava ao máximo o dinheiro para conseguir pagar as despesas. Após o término da pós, arranjou um emprego. Eram 8 horas diárias de expediente. Ela se dedicava ao máximo, trabalhava o seu expediente normal e sempre levava trabalho para casa. Era extenuante sua rotina diária, mas pelo menos estava ganhando bem agora. E pela ótima qualidade de trabalho ela era cada vez mais cobrada pelo chefe.

Em pouco tempo subiu de cargo, aumentando as cobranças sobre si. O tempo lhe era mais raro agora que tinha que gerenciar a vida de milhares de empregados. Chegava em casa todos os dias esgotada, nem férias ela conseguia tirar, pois tornara-se a engrenagem chave que movia toda a empresa, muita coisa dependia dela para funcionar.

Não via seus pais há anos. Sempre marcava a viagem e desmarcava em seguida, pois aparecia algo que a impedia de ir. Nem sequer tempo pra ligar ela tinha. Quando se esforçava conseguia mandar algo pelo correio pra eles. E os anos foram passando...




(Confesso que não terminei a história, tenho vários finais para minha personagem, no próximo post teremos os finais que pensei para ela.)

Um comentário:

Unknown disse...

Acho que já vi essa história antes...