quarta-feira, 19 de maio de 2010

Pessimismo Adquirido


Pessimismo [De péssimo + -ismo] S. m. 1. Disposição de espírito que leva o indivíduo a encarar tudo pelo lado negativo, a esperar de tudo o pior. 2. Doutrina segundo a qual o mal predomina sobre o bem, valendo mais o não ser do que o ser.

Bem, hoje não tentarei comprovar nada, nem contarei história alguma, apenas mostrarei aos leitores uma faceta deste que vos escreve e falarei os motivos por ser assim, PESSIMISTA.

Primeiramente, para os otimistas de plantão que dizem que pensamentos bons trazem boas coisas... MORRAM! Por que vocês não pulam de cima do viaduto do Chá e caem na frente de uma caçamba de lixo? Esse negócio de pensamentos bons é coisa de livro de autoajuda, é papo de discurso de donos do poder, querem que tudo vai dar certo e que basta pensarmos positivo. Se pensamento positivo atraísse coisas boas bilhares de pessoas já teriam ganho na Mega Sena. Ou será que os apostadores da Mega Sena fazem suas apostas pensando: "Que bobagem, vou perder mesmo, mais alguns reais gastos com besteira, meu filho está com fome, minha mulher doente, minha família está falida, mas eu sei que não vou ganhar esse prêmio de X bilhões de reais e ainda assim vou gastar o dinheiro do leite."

Fora que um pensamento positivo pra mim pode ser um pensamento negativo pra outra pessoa. Então quem julga qual pensamento é melhor? Pelo mesmo exemplo: se eu quero ganhar na Mega Sena e estou pensando positivo, meu vizinho da fila com certeza está pensando que eu sou um fela da puta que vai concorrer pra tomar o dinheiro dele. Quem vai atrair a coisa boa? Quem pensa mais forte? Ou um pensamento negativo anula um positivo?

Dito isso, agora vem a melhor parte, as reais vantagens de se ser pessimista. Começo perguntando "e quem não gosta de surpresas?" Vamos lá conversar.

A regra é não esperar nada de ninguém. Tu acabou de conhecer uma pessoa e gostou de cara assim dela, tipo os astros estavam alinhados, as borboletas voaram dentro do estômago e os sininhos tocam quando você está perto da pessoa. OK! Tu começa a criar expectativas por aquela pessoa, torce pra dar certo vocês ficarem juntos, beleza. Vai formando toda uma imagem de vocês num futuro não tão distante, sonhando com casamento e filhos e velhice juntos. Porém, algo saiu dos rumos e a pessoa não gostou de você, ou ficou com você e depois te largou, enfim, os planos não saíram como planejado.

O otimista se decepcionaria, frustração gigantesca, chora, fica com raiva por ter criado expectativas em vão, tinha apostado tudo naquele relacionamento que não deu certo. Quem ele deve culpar por isso? A outra pessoa que não tava afim? Ela não era obrigada a querer, logo a culpa é do bobão otimista. Quem manda ficar elocubrando? Já o pessimista não, ele não esperava nada daquela pessoa, simplesmente gostou da pessoa, foi atrás e talz, mas sem pretensões, se der certo deu, se não der certo paciência. Não criou historinhas românticas na cabeça, nem tava muito ligando pro que aquela pessoa viesse a oferecer. Se não der certo ele vai saber lidar bem melhor com a situação do que o bobão do otimista, afinal já era o que ele esperava daquela pessoa. Caso dê certo é uma surpresa e como eu falei "quem não gosta de uma surpresa?" E isso me faz um ultra adepto da Lei de Murphy: se alguma coisa tem de dar errado ela vai dar errado certeza. Caso dê certo foi azar do destino.

Vão dizer que me decepcionei com meia dúzia de pessoas e que por isso criei esse mecanismo de defesa. Sim, acertaram. Quem gosta de se frustrar com as pessoas? Vão dizer que se eu continuar pensando assim nunca vou buscar meus objetivos porque já sei que vou fracassar. Não, erraram. Continuo buscando, porém sem pretensões. O que conseguir me surpreenderá de qualquer forma, pois eu não esperava conseguir, o que eu não conseguir seguiu apenas o curso natural das coisas.

E se disserem que eu tô revoltado vão tudin tomar no c***
^^
That's all.

domingo, 16 de maio de 2010

Ensaio sobre a hermenêutica da beleza e da feiúra: um estudo cartográfico de bases epistemológicas


INTRODUÇÃO: Visualizando seres humanóides e tendo conhecimento prévio de sua natureza biológica e necessidades fisiológicas torna-se de fácil entendimento o conceito de propagação da espécie. Em outras palavras, sempre há alguém desejando um outro alguém. O modo como se processa esse ato de conquista é cativante. Diversas são as maneiras de se chegar ao destino final. Uma delas foi teorizada por Carl Von Erlineu. Nessa teoria o autor expos um quadro típico da psicologia humana implícito em atitudes subliminares de comportamento diante de alguém cujo interesse fosse maior do que simplesmente a amizade. O teórico expunha situações onde sempre havia alguém de beleza incontestável em companhia de alguém de beleza duvidosa na luta por uma parceria amorosa, em outras palavras, o Bonito e o Feio andam juntos na busca de um bem comum, no caso alguém com quem eles possam ter um relacionamento futuro.

OBJETIVO: Analisar uma das teorias básicas da corte humana, a Teoria do Amigo Bonito e do Amigo Feio. Comprovar a veracidade dessa teoria. Teorizar sobre as possíveis causas desse fenômeno.

METODOLOGIA: Estudo exploratório analítico descritivo cujo explorador, através de uma observação não participativa, analisou comportamentos humanos diante de seres da mesma espécie quando no ato de conhecer um aspirante a um relacionamento futuro em potencial. O estudo foi realizado nos anos de 2005 até 2010 em calouradas da Medicina, shows, barzinhos e aniversários, com um grupo de 1000 duplas de amigos, um bonito e o outro feio, de acordo com o Critério de Beleza e Feiúra, contido no estudo de Marie Von Willebrand.

RESULTADOS: Em 67% das duplas formadas por Amigo Bonito e Amigos Feio, ambos os participantes das duplas atingiram o objetivo final, enquanto em 23% apenas o Amigo Bonito se deu bem, em 10% nenhum dos amigos se deu bem. Não houve relatos de casos onde apenas o Amigo Feio se deu bem. Em calouradas da Medicina a taxa de sucesso foi de 82%, em show foi de 50%, em barzinhos de 20% e em aniversários de 3%.

CONCLUSÃO: Devido a alto índice de sucesso comprovado nas observações de duplas de Amigos Feios com Amigos Bonitos comprova-se a veracidade da Teoria de Carl Von Erlineu. É até aconselhável se você se encaixa nos critérios de Beleza ou de Feiúra contidos no estudo de Marie Von Willebrand andar sempre com alguém de característica oposta a sua, pois sua chance de sucesso em tais festas é quase de 100%. Há que se ressaltar também que esse estudo foi feito nos lugares especificados na metodologia, porém pode-se estender-lo para qualquer outro agregado populacional onde hajam humanóides em busca de relacionamentos. Após extensa busca em artigos relacionados e extensa busca de sinais em comum com as duplas de amigos, desenvolvi uma teoria.

Teoria para explicar a Teoria do Amigo Bonito e do Amigo Feio: Amigos Bonitos andam com Amigos Feios porque quando vistos pela presa em potencial lado a lado sua beleza fica realçada ao extremo. Assim como amigos feios andam com amigos bonitos pois veem nessa situação a única oportunidade de terem presa empotencial bonitas por perto. Exemplificarei com uma situação de dois amigos um bonito e um feio e duas meninas (as presas em potencial).

Na cabeça do Amigo Bonito está: "Sou bonito, minha beleza está realçada pelo meu amigo feio, quem olhar pra nós dois vai passar mais tempo olhando para mim." Na cabeça do Amigo Feio está: "Sou feio, mas meu amigo é bonito, logo ele vai conseguir alguém bonito e eu vou conseguir alguem bonito que está acompanhando o outro alguém bonito que está com o meu amigo bonito." E na cabeça da menina está: "Olha que gato. Olha o amigo feio dele, tadinho. Vixi, a minha amiga está olhando para ele também, preciso agir rápido pois senão vou acabar com o amigo feio dele. Vou agarrar o bonitão." E assim a situação termina, com o Amigo Bonito pegando a menina, a amiga fica sobrando, se ela estiver desesperada ela pega o Amigo Feio, se ela não estiver desesperada ela fica amiga do Amigo Feio. Já o Amigo Feio ganha duas Amigas lindas. É uma relação onde todos saem ganhando, talvez apenas a amiga solitária não saia ganhando tanto.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O menino da bolha (parte III)


“Já chega dessa timidez, preciso fazer alguma coisa.” Na semana seguinte, lá foi ele todo confiante, abriu a porta, caminhou para a mesma seção de CD’s. Pegou um CD qualquer, foi até o balcão e jogou um saco com algumas notas de dinheiro dentro e saiu correndo da loja. Seu coração quase pára de bater na metade do caminho até em casa. Chegou em casa suado com o CD nas mãos. “Que merda! A moça deve achar que eu sou louco correndo daquele jeito.” E cada vez mais esse estranho sentimento o amedrontava.


Semana seguinte... Lá foi ele comprar outro CD. Pegou um CD qualquer da prateleira e entregou para a vendedora. Ficou de costas. Nem sequer olhou para ela. Ela sempre repetia o mesmo procedimento, embrulhava o CD com o papel da loja e o entregava de volta. E ele apenas jogava o dinheiro sobre o balcão e saía. E aos poucos ele foi aprendendo a lidar com a sua timidez, porém não conseguia falar com a vendedora. Era um passo muito grande que ele tinha que dar. E semanalmente ele escolhia um novo CD, a vendedora embrulhava, ele pagava e ia embora. E semanalmente também ele sofria de novos sintomas: cólicas, dores de cabeça, faltas de ar, dores nos ossos, vômitos, tosse, taquicardias, dores de ouvido...


Até que um dia ele resolveu vencer a timidez de uma vez por todas. “Já sei, vou comprar um CD, no saco de dinheiro eu vou colocar meu telefone e endereço.” E lá foi ele, saiu de casa com o saco de dinheiro nas mãos, pegou a rua de trás da sua casa, atravessou-a, entrou na loja, foi até a mesma seção de CD’s, pegou um CD qualquer e... ficou parado. Simplesmente travou. A idéia de vencer aquela timidez que há tanto lhe reprimia o deixou nervoso. Pensou em desistir várias vezes, porém seus pés não faziam nenhum movimento para levá-lo para fora dali. Simplesmente ficou ali, parado, por não se sabe quanto tempo. Começou a imaginar sua vida ao lado daquela moça, aquele nobre sentimento os unindo para sempre. Nunca tinha tido perspectiva de uma longa vida, mas diante daquela vendedora tudo era possível para ele, ela o fazia esquecer a doença, do quarto de vidro esterilizado, dos seus pais preocupados em casa, das suas limitações, dos médicos, dos exames, dos 15 minutos...


Olhou para o relógio: 25 minutos. Correu para o balcão onde a vendedora sorria para ele. E seus olhos se encontraram pela primeira vez. “Que olhos meu Deus!” Para ele já havia valido a pena estar ali atrasado. A visão dos olhos dela era melhor que qualquer visão que ele tenha visto durante todos esses anos que passou contemplando primeiramente os compartimentos da sua casa e depois as paisagens de fora. Nenhuma flor, ou pássaro, ou cheiro, ou som, ou brisa... nada se comparava àquele olhar. Tudo pelo que ele havia passado valeu a pena naquele momento. Todos os dias solitários em sua casa, todas as noites doente, todos os cuidados, os medos, as angústias, os sonhos adiados, os desejos reprimidos, tudo fez sentido naquele olhar. Rapidamente ele jogou o saco com dinheiro em cima do balcão e saiu em disparada para casa agradecendo a Deus por aquele momento.


No outro dia, logo cedo, a vendedora, antes de abrir a loja de CD’s, resolveu bater na porta da casa do rapaz. Uma senhora de preto atendeu a porta. Era a mãe do rapaz. Os olhos vermelhos e inchados denunciavam choro recente. Perguntou se ela era a vendedora da loja de CD’s e após acenar cabeça que sim a mãe do rapaz pediu para que entrasse. No canto da sala de estar, o pai do rapaz soluçava baixinho. A vendedora ficou sem entender. Olhou para a senhora de preto e perguntou onde estava o filho.


“Meu filho morreu... Ele não suportou a última noite, sofreu de inúmeras cólicas, feridas se abriram nas suas pernas, seus olhos foram aos poucos cegando, urinou sangue durante um tempo, até que seus rins deixaram de funcionar, começou então a sentir falta de ar, até que ele não agüentou mais e faleceu nessa madrugada. De todas essas dores, ele só queixava de uma. Da dor no peito por não poder ver os seus olhos novamente.”


E foi então que a vendedora desabou a chorar. Por 15 minutos, a mãe e a vendedora de CD’s choraram abraçadas. Depois daquele momento, a mãe pegou pela mão da vendedora e a conduziu até o quarto do rapaz. Foi então que a vendedora viu a morada dele. A arrumação impecável, o cheiro estéril, as cores neutras, as luzes artificiais... e aquilo a sufocou por um instante. “Como alguém conseguira viver ali por tanto tempo?”, pensou ela. Olhando para o canto do quarto, ao lado da cama, ela viu a escrivaninha dele com uma pilha de CD’s sobre a mesa. A pilha de CD’s que ele havia comprado na loja. Sequer tocara neles. E foi então que ela chorou mais ainda. Abrindo os embrulhos que ela mesma havia feito para ele com tanto carinho, ela tirava todos os bilhetes que havia escrito para ele, declarando todo o seu amor desde o primeiro dia que o vira do outro lado da rua. Do lado dos CD’s, cinco cadernos completamente preenchidos com declarações que ele havia feito para ela, desde o primeiro dia que a havia visto na porta da loja de CD’s.

sábado, 8 de maio de 2010

O menino da bolha (parte II)

E foi por isso que o menino sentiu cada vez mais vontade de conhecer o mundo ao seu redor. Seis meses se passaram e ele já havia conhecido todos os compartimentos da sua casa várias vezes, sabia onde estava tudo, o formato, o cheiro, a essência... Aquela casa não lhe cabia mais, precisava expandir. Mas como, se facilmente ele pegava fracas bactérias que poderiam a qualquer momento causar uma doença incurável no caso dele e levá-lo ao óbito? Imagine se ele saísse de casa... Para os pais seriam um tormento ao qual eles não estavam dispostos a passar. Estavam imutáveis: “em casa você fica, mas fora de casa você não vai”, diziam eles. Mas o menino tinha, sem saber, uma carta na manga. Sua vontade de viver e sua alegria ao se deparar com o desconhecido era uma arma contra a qual seus pais não poderiam lutar. É duro ter que negar ao filho a oportunidade de ser feliz com tão pouco.

Mais 15 médicos, mais dezenas de exames... Foram estipuladas novas regras: o menino deveria usar máscara, luvas, roupas especiais, boné, óculos escuro, protetor de pele, aparelho para abafar o som nos ouvidos... e só teria direito a 15 minutos semanais fora de casa. E então lá foi o menino para o primeiro passeio fora de casa. Achou que não poderia sentir algo mais forte que o que sentira no jardim de casa, mas se equivocou nesse dia. Sequer saiu da soleira da porta de entrada de casa. Foram os 15 minutos mais rápidos de sua vida. A quem via de fora, ele era apenas um garoto com olhos brilhantes que olhavam de um lado para o outro. Para o menino, aquilo era a mágica dos seus sonhos se materializando. Casas, prédios, buzinas, crianças, grama, carros, semáforo, cachorros, gatos, fios, postes, asfalto, idosos, pássaros, árvores, vento, flores, perfume... 15 minutos é pouco tempo para perceber aquilo tudo. Não entendia como as pessoas conseguiam viver naquilo sem sentir o mesmo que ele sentia. Era tudo muito intenso para ele. Ao final do dia, novas bactérias se instalaram no seu organismo, dessa vez mais fortes, mas ainda tratáveis com os antibióticos especiais. Nada tiraria o brilho daquele olhar, nem mesmo aqueles chatos microorganismos sedentos por ceifar vidas. E o diário cada vez mais repleto de memórias.

E foram precisos mais outros 15 minutos para que ele pudesse se acostumar com aquela paisagem e pudesse caminhar e alcançar novos horizontes. Seus pais ficaram temerosos com toda liberdade que ele estava adquirindo, mas não podiam fingir que não viam vida naqueles olhos outrora tão sem perspectivas. E a confiança entre eles foi estabelecida. O agora homem era obediente, em 15 minutos estava de volta, nunca atrasado ou adiantado. Aos poucos, seus pais foram deixando de lhe acompanhar nas caminhadas. Na verdade, os dias de passeio eram muito mais bem caracterizados como dias de contemplação da paisagem, pois era assim que aparentava. Andavam alguns metros e paravam a fim de contemplar a paisagem pelos próximos minutos que lhe restavam. E lá começou a ir o homem sozinho. E voltava em 15 minutos com o brilho nos olhos e o sorriso no rosto.

Um belo dia, lá foi o homem andar pela rua de trás da sua casa. E foi ali, do outro lado da rua, que ele avistou a mais bela imagem que sua mente poderia formar. Em frente a uma loja de CD’s, uma vendedora ajeitava a placa para colocar na calçada. Não conseguiu tirar os olhos dela pelos próximos minutos. Sentiu uma sensação nova, estranha, boa e ao mesmo tempo ruim. Era uma imagem que ele tentava formar na mente, mas que a todo tempo se mexia e mudava de forma. Ficou admirando aquela moça por alguns minutos. Foi a primeira vez que chegou atrasado em casa. Os pais já estavam ficando preocupados, mas 17 minutos após ter saído de casa, lá vem o homem de volta. Não estampava nada no rosto, senão uma incredulidade. Como poderia haver ser tão formoso, tão delicado, tão sincero em beleza, tão casto? Naquele dia, várias bactérias o levaram à fortes cólicas abdominais, mas seus pensamentos levavam sempre àquele momento. Porém não conseguia imaginar a moça da loja de CD’s, ela simplesmente não criava forma na mente.

Esperou ansiosamente pelo próximo passeio e voltou à rua de trás da casa. Dessa vez não avistou a vendedora. Não sabia o que fazer. Descobriu-se naquele momento uma pessoa extremamente tímida. Nunca havia lidado com outra pessoa que não os pais, alguns parentes. Não tinha amigos pessoalmente, apenas os amigos virtuais do bate-papo. E agora se viu numa situação onde queria manter algo além de uma contemplação de uma pessoa e não sabia o que fazer. Passou 15 minutos sem saber o que fazer do outro lado da rua e acabou voltando pra casa. Prometeu a si mesmo que voltaria lá na outra semana e entraria na loja.

Na semana seguinte, estava ele em frente a loja. Atravessou a rua, a muito custo empurrou a porta da loja de CD’s e entrou. Do lado esquerdo a linda vendedora que passava um pano distraidamente no balcão. Ele correu e foi para o outro extremo da loja, fingir que olhava os últimos lançamentos de... Heavy Metal. Nunca tinha escutado esse estilo de música, mas ali ele estava o mais seguro possível, bem longe dela. O coração batia muito forte, garganta seca). “Meu Deus, o que eu estou fazendo aqui?” A vendedora nem sequer levantara o olhar ainda, fazia seus afazeres calmamente sem se preocupar com quem entrava ou saía da loja. Do outro lado, o homem fingia olhar CD’s, com a mente fervilhando de pensamentos. Começou a notar que suava muito, olhou pro relógio, tinha mais 3 minutos. De repente, notou a vendedora vindo em sua direção. Olhou ao redor e não viu ninguém. Andou pelo corredor paralelo, na direção contrário, com a cabeça baixa e correu porta afora. “Ufa! Imagina se ela chega mais perto.” Foi a primeira vez que chegou em casa adiantado.

Na semana seguinte, na mesma seção de CD’s... Lá estava ela novamente vindo na sua direção. E ele correndo porta afora. O que seria aquilo? Um apaixonar-se? Naquela noite leu bastante sobre paixão e amor na Internet.


Mas essa atitude iria mudar, prometera a si mesmo...

(continua...)

quarta-feira, 5 de maio de 2010

O menino da bolha (parte I)

Era uma vez um menino que tinha nascido com Imunodeficiência Combinada Severa Humana, vulgo Doença da Bolha, qualquer besteirinha causava uma super infecção nele, ou gerava uma super gripe quase incurável, ou uma super alergia, enfim, ele era bastante frágil. Por causa disso, seus pais adaptaram seu quarto para que ele pudesse viver o máximo possível: era tudo esterilizado, as pessoas não podiam manter contato direto com ele, era sempre através de luvas e máscaras, ninguém na verdade podia chegar muito perto, a cama era feita de material antialérgico, bem como seus travesseiros, vestimentas, toalhas, lençóis, até a tinta que cobria as paredes do quarto era especial para não causar danos ao trato respiratório do menino. A cada 4 horas o quarto era limpo para não acumular poeira. A água para o banho era mineral, numa temperatura ideal para o seu corpo, sua pasta de dente era manipulada especialmente para ele com uma quantidade de flúor menor que a da maioria das pessoas, os sabonetes também eram feitos sob encomenda. Sua comida era fervida 3 vezes, ou cozida a ponto de matar toda e qualquer ameaça de bactéria, sem falar de suas restrições alimentares: nada de enlatados, frituras, congelados, era tudo fresco, feito na hora pra não perigar alguma contaminação. A luz do quarto era protegida com pedaços de papel para que não incidissem de forma tão agressiva sobre a pele sensível do menino. As paredes do quarto eram revestidas de chumbo para que nenhum pingo de radiação pudesse atravessá-la, bem como barulhos excessivamente altos que pudessem vir de fora. Era um quarto perfeitamente estéril por dentro, uma verdadeira bolha.


Os pais faziam de tudo para que o menino tivesse a vida mais normal possível, dentro dos rigores estabelecidos pela doença. Diversos professores davam aula diariamente para ele através de vídeos. Além disso, o menino tinha a sua disposição um laptop com Internet super veloz, onde podia navegar e saber de tudo que tivesse ao seu alcance na rede. Quando se sentia só o menino conversava com outras pessoas em bate-papos. Sua diversão era colocar músicas pra tocar no seu som e dançar sozinho. Adorava música. Seus pais, às vezes, dançavam com ele, mas sempre do outro lado da parede de vidro da bolha. Certa vez o menino colocou na cabeça a idéia de possuir um bicho de estimação. Os pais compraram um cachorro e junto com ele uma roupa impermeável para o garoto segurar o cachorro. Na verdade nem dava pra sentir os pêlos do cachorro através da grossa roupa de couro, por isso logo o menino perdeu a vontade de possuir animais. E assim o garoto foi levando a vida.


Através da vidraça fumê do seu quarto ele sempre via as pessoas passearem pela rua, as crianças brincarem nas calçadas, os namorados namorarem nos carros, e ele sempre teve a curiosidade, óbvio, de saber como eram as coisas por trás daquelas paredes chumbadas, atrás daquele vidro estéril, daquela bolha. Foi então que no seu Décio quinto aniversário ele resolveu pedir pra sua mãe para sair de casa para dar uma volta. Foi muito difícil para os pais aceitarem isso, eles sempre argumentavam a doença do filho, sua fragilidade. Como permitir que um garoto, que aos 4 anos de idade teve uma bronquite ao sentir o cheiro de um perfume, saísse de casa? Certa vez, ele pegara uma infecção intestinal por ter engolido ar não esterilizado de dentro da caixa do seu laptop. Seria um absurdo permitir que ele fosse sequer para fora do seu quarto, imagine de casa. Foi muito difícil para o menino agüentar aquela vida por mais tempo, ele tinha tudo que precisava, menos sua liberdade e sua curiosidade saciada de saber como eram as coisas lá fora.


Foram cinco longos anos de luta para convencer seus pais de que ele precisava de um pouco mais de espaço. Foi preciso que todos os seus 15 médicos lhe avaliassem semanalmente durante dois anos para que os pais se convencessem de que ele estava apto para tal feito. Testes oftalmológicos, neurológicos, psiquiátricos, respiratórios, cardiológicos, nefrológicos, gastrológicos e todasasoutrasespecialidadesdamedicinalógicos foram feitos. Todos deram dentro dos padrões da normalidade. Os pais permitiram então que ele saísse do quarto e que caminhasse pela casa, mas que isso não passasse de 30 minutos. Após esse tempo, ele deveria voltar para o seu quarto, voltar a se esterilizar, fazer alguns exames para saber se estava tudo normal e descansar. Isso só seria permitido uma vez por semana.


Então o dia chegou. Vestiu uma roupa qualquer (eram todas iguais, sem detalhes, sem imagens, sem tinta, completamente lisas) e respirou fundo. O rosto dos seus pais era um mister de medo/alegria. O sorriso estampado no rosto do garoto era impagável. Parecia que tinha ganhado 100 bilhões na Mega-Sena. Para ele, nada pagava aquela sensação. A porta de vidro se abrindo e ele passando através do portal. Obviamente os seus pais fizeram com que toda a casa estivesse o mais limpa possível, porém completamente estéril ela não estava. E ele deu o primeiro passo rumo a sua ‘liberdade’.


Imediatamente sentiu na sola dos sapatos a poeira do chão, o vento batendo no seu rosto, o cheiro diferente. Até o gosto na sua boca ficou diferente. E ele foi andando pela casa, com seus pais logo atrás pedindo pra ele tomar cuidado e 5 dos seus 15 médicos de prontidão para qualquer intervenção. Porém, para o garoto ele estava só, num mundo completamente desconhecido e cativante por descobrir, numa terra cheia de tesouros escondidos prontos para serem achados. Desceu as escadas e foi até a cozinha. Ali ele parou e ficou observando detalhe por detalhe daquele ambiente. Copos, talheres, pia, torneira, mesa, pano, fogão, geladeira, prato, prateleira, xícara, pires... Seus 30 minutos acabaram e ele ainda não tinha terminado de observar tudo da cozinha. Podia descrever com detalhes tudo que vira. Mas seu tempo tinha acabado e ele teve que voltar para o seu quarto. Sua felicidade era tremenda. Não se continha em si. Os médicos disseram que ele, durante aquela ‘aventura’, tinha pegue algumas bactérias, mas que eram facilmente tratáveis com fortes antibióticos. No mesmo dia, o menino escreveu cinco páginas do seu diário sobre aquele episódio.


Na semana seguinte, a visita foi até a sala de jantar. Na semana seguinte, até o piano da sala de estar, depois até o hall de entrada, depois até os aposentos dos hóspedes... Cada semana ele ia em um lugar diferente, formava uma imagem diferente na cabeça, sentia uma sensação diferente, uma alegria diferente. E cada semana ele terminava com mais cinco ou seis páginas escritas no seu diário. No dia que ele foi até o jardim foi o dia que ele mais chorou na vida. Foram muitas sensações novas bombardeando ao mesmo tempo. Aquela mistura de cheiros incrível, as cores vistosas das belas flores cultivadas pela sua mãe, aquele vento outonal soprando e trazendo as folhas secas das árvores próximas, o canto dos pássaros invadindo seus ouvidos, a visão de um beija-flor pairando sobre a sua cabeça... Fechou os olhos e pode sentir em toda a sua plenitude, com a alma e com o coração, tudo que se passava ao redor dele. “Pra quê olhos se já me deparei com isso uma vez? Posso muito bem formar essa imagem quantas vezes quiser na minha cabeça. E ela será tão bela quanto o é agora.”


E então, sua ânsia pelo mundo aumentou...


(continua...)