sábado, 8 de maio de 2010

O menino da bolha (parte II)

E foi por isso que o menino sentiu cada vez mais vontade de conhecer o mundo ao seu redor. Seis meses se passaram e ele já havia conhecido todos os compartimentos da sua casa várias vezes, sabia onde estava tudo, o formato, o cheiro, a essência... Aquela casa não lhe cabia mais, precisava expandir. Mas como, se facilmente ele pegava fracas bactérias que poderiam a qualquer momento causar uma doença incurável no caso dele e levá-lo ao óbito? Imagine se ele saísse de casa... Para os pais seriam um tormento ao qual eles não estavam dispostos a passar. Estavam imutáveis: “em casa você fica, mas fora de casa você não vai”, diziam eles. Mas o menino tinha, sem saber, uma carta na manga. Sua vontade de viver e sua alegria ao se deparar com o desconhecido era uma arma contra a qual seus pais não poderiam lutar. É duro ter que negar ao filho a oportunidade de ser feliz com tão pouco.

Mais 15 médicos, mais dezenas de exames... Foram estipuladas novas regras: o menino deveria usar máscara, luvas, roupas especiais, boné, óculos escuro, protetor de pele, aparelho para abafar o som nos ouvidos... e só teria direito a 15 minutos semanais fora de casa. E então lá foi o menino para o primeiro passeio fora de casa. Achou que não poderia sentir algo mais forte que o que sentira no jardim de casa, mas se equivocou nesse dia. Sequer saiu da soleira da porta de entrada de casa. Foram os 15 minutos mais rápidos de sua vida. A quem via de fora, ele era apenas um garoto com olhos brilhantes que olhavam de um lado para o outro. Para o menino, aquilo era a mágica dos seus sonhos se materializando. Casas, prédios, buzinas, crianças, grama, carros, semáforo, cachorros, gatos, fios, postes, asfalto, idosos, pássaros, árvores, vento, flores, perfume... 15 minutos é pouco tempo para perceber aquilo tudo. Não entendia como as pessoas conseguiam viver naquilo sem sentir o mesmo que ele sentia. Era tudo muito intenso para ele. Ao final do dia, novas bactérias se instalaram no seu organismo, dessa vez mais fortes, mas ainda tratáveis com os antibióticos especiais. Nada tiraria o brilho daquele olhar, nem mesmo aqueles chatos microorganismos sedentos por ceifar vidas. E o diário cada vez mais repleto de memórias.

E foram precisos mais outros 15 minutos para que ele pudesse se acostumar com aquela paisagem e pudesse caminhar e alcançar novos horizontes. Seus pais ficaram temerosos com toda liberdade que ele estava adquirindo, mas não podiam fingir que não viam vida naqueles olhos outrora tão sem perspectivas. E a confiança entre eles foi estabelecida. O agora homem era obediente, em 15 minutos estava de volta, nunca atrasado ou adiantado. Aos poucos, seus pais foram deixando de lhe acompanhar nas caminhadas. Na verdade, os dias de passeio eram muito mais bem caracterizados como dias de contemplação da paisagem, pois era assim que aparentava. Andavam alguns metros e paravam a fim de contemplar a paisagem pelos próximos minutos que lhe restavam. E lá começou a ir o homem sozinho. E voltava em 15 minutos com o brilho nos olhos e o sorriso no rosto.

Um belo dia, lá foi o homem andar pela rua de trás da sua casa. E foi ali, do outro lado da rua, que ele avistou a mais bela imagem que sua mente poderia formar. Em frente a uma loja de CD’s, uma vendedora ajeitava a placa para colocar na calçada. Não conseguiu tirar os olhos dela pelos próximos minutos. Sentiu uma sensação nova, estranha, boa e ao mesmo tempo ruim. Era uma imagem que ele tentava formar na mente, mas que a todo tempo se mexia e mudava de forma. Ficou admirando aquela moça por alguns minutos. Foi a primeira vez que chegou atrasado em casa. Os pais já estavam ficando preocupados, mas 17 minutos após ter saído de casa, lá vem o homem de volta. Não estampava nada no rosto, senão uma incredulidade. Como poderia haver ser tão formoso, tão delicado, tão sincero em beleza, tão casto? Naquele dia, várias bactérias o levaram à fortes cólicas abdominais, mas seus pensamentos levavam sempre àquele momento. Porém não conseguia imaginar a moça da loja de CD’s, ela simplesmente não criava forma na mente.

Esperou ansiosamente pelo próximo passeio e voltou à rua de trás da casa. Dessa vez não avistou a vendedora. Não sabia o que fazer. Descobriu-se naquele momento uma pessoa extremamente tímida. Nunca havia lidado com outra pessoa que não os pais, alguns parentes. Não tinha amigos pessoalmente, apenas os amigos virtuais do bate-papo. E agora se viu numa situação onde queria manter algo além de uma contemplação de uma pessoa e não sabia o que fazer. Passou 15 minutos sem saber o que fazer do outro lado da rua e acabou voltando pra casa. Prometeu a si mesmo que voltaria lá na outra semana e entraria na loja.

Na semana seguinte, estava ele em frente a loja. Atravessou a rua, a muito custo empurrou a porta da loja de CD’s e entrou. Do lado esquerdo a linda vendedora que passava um pano distraidamente no balcão. Ele correu e foi para o outro extremo da loja, fingir que olhava os últimos lançamentos de... Heavy Metal. Nunca tinha escutado esse estilo de música, mas ali ele estava o mais seguro possível, bem longe dela. O coração batia muito forte, garganta seca). “Meu Deus, o que eu estou fazendo aqui?” A vendedora nem sequer levantara o olhar ainda, fazia seus afazeres calmamente sem se preocupar com quem entrava ou saía da loja. Do outro lado, o homem fingia olhar CD’s, com a mente fervilhando de pensamentos. Começou a notar que suava muito, olhou pro relógio, tinha mais 3 minutos. De repente, notou a vendedora vindo em sua direção. Olhou ao redor e não viu ninguém. Andou pelo corredor paralelo, na direção contrário, com a cabeça baixa e correu porta afora. “Ufa! Imagina se ela chega mais perto.” Foi a primeira vez que chegou em casa adiantado.

Na semana seguinte, na mesma seção de CD’s... Lá estava ela novamente vindo na sua direção. E ele correndo porta afora. O que seria aquilo? Um apaixonar-se? Naquela noite leu bastante sobre paixão e amor na Internet.


Mas essa atitude iria mudar, prometera a si mesmo...

(continua...)

Um comentário:

Unknown disse...

conhecendo vc como eu conheço...tenho medo do que vai ocorrer com este minino!!!!muito bom!!!:P