sexta-feira, 9 de abril de 2010

O grande dia de nossas vidas

Cinco da manhã e eu já estava de pé. A ansiedade que me consumia há semanas implodia dentro de mim. Não me agüentava em si. Todos já haviam notado minha euforia exagerada. Enfim, hoje tudo faria sentido, o sonho se realizaria. Mas vamos com calma que o tão ansiado dia estava só começando. Sem mais conseguir dormir, após bolar horas na cama, resolvo me levantar e me arrumar para a aula. Nefrologia no Hospital Fetuccini Emerald. Peguei o carro (meu incrível Golfinho preto) e fui para a aula.


E cada vez mais a hora se aproximava. Olhava de dois em dois segundos para o relógio. Teimosamente o tempo insistia em não correr. A aula eu já considerava perdida, não conseguia me concentrar. A impaciência me consumia. Aaaaaahhhhhh! CHEGA! Quando não suportei mais ouvir tantos “rins” e “glomérulos” me levante da cadeira e saí da sala, precisava caminhar.


O ambiente hospitalar me acalmou. A sala de aula com aquele silêncio quebrado apenas pela voz rouca do professor é que estava me angustiando. Os gritos da emergência, a correria das enfermeiras, as macas pelo corredor, o sangue manchando o chão... quando que aquele passou a ser o meu ambiente? Ali me acalmei sentado numa cadeira ao lado de uma mãe que chorava copiosamente à morte do filho num acidente de moto. Quando o sofrimento alheio passou a não ser mais compartilhado por mim? E ali sim o tempo voou.


Dez horas! Finalmente dez horas da manhã, estava na hora. Corri pelos corredores do hospital sem esperar o fim da aula. No caminho, tirei o jaleco, guardei o estetoscópio, joguei tudo dentro da bolsa e vasculhei os bolsos em busca da chave do carro e de uns trocados para o flanelinha. O sorriso já me estampava o rosto, não estava mais me contendo. Rapidamente joguei as moedas na mão do senhor que sempre vigiava meu carro e acelerei.


Na rádio Ana Carolina conversava comigo: “Eu só quero saber em qual rua minha vida vai encostar na tua.” E era hoje que as ruas aparentemente tão distantes e paralelas iriam se encostar, era hoje que os dois extremos da BR-116 iriam se tocar. Acelera, passa moto, carro, caminhão, carroça, freia, sinal vermelho, pedestre atravessando rua, passa marcha... E dobra a esquina a 60km/h e no horizonte distante o Aeroporto Orlando Leria apontava com uma escultura gigante do engenheiro que construiu o aeroporto.


Estacionei rapidamente (e tortamente), peguei a escada rolante e cheguei à área onde se dava a saída dos viajantes. Pronto! Era tudo uma questão de minutos agora. Olhei mais uma vez (talvez a milionésima vez) o papel que tinha escrito na noite anterior: “Vôo 7019, partindo de Orian Zéalia, conexão em Ricci Omnis, chegada em Emeral às 10:45.” No meu relógio 10:36. Faltava pouco. Nos painéis eletrônicos do aeroporto os horários previstos para chegada dos vôos nacionais e internacionais. Nada de atrasos ou cancelamentos.


E durante a espera comecei a devanear. Como seria aquele dia? Como eu deveria agir? Será que eu estava criando muitas expectativas? Será que eu estava bem vestido? Na noite anterior eu havia passado meia hora escolhendo a melhor roupa para a ocasião. Dei uma de mulherzinha mesmo. Porém, ali parado, esperando o vôo, eu me senti a pessoa mais ridícula de todas. O surrado AllStar, a surrada boina listrada, a calça bege nova comprada há duas semanas e uma camisa gola pólo cinza claro. Nada combinava no final das contas, eu era o palhaço ali parado.


Ao meu redor cada vez mais pessoas se aglomeravam esperando seus parentes, amigos, clientes de translado... Uma voz feminina cortou o ar avisando que o vôo tinha chegado. O coração bateu forte, o nervosismo tomou de conta e com ele a vontade quase que incontrolável de rir. Vai entender o que se passava nas minhas sinapses nervosas pra me fazer rir numa situação daquelas.


A porta automática abria e fechava cada vez que os viajantes passavam carregando suas enormes malas. Os primeiros a saírem foram dois casais. Depois um senhor, uma jovem, uma família, outra família... e nada ainda de você. Ao redor, as pessoas se beijavam e se abraçavam e davam gargalhadas... E o meu coração sumindo, nada de você. Mais um segundo e eu caía em coma no chão de tanto nervosismo.


E foi então que a porta se abriu para a passagem de um barbudo. Lá atrás, finalmente vi você de lado esperando a esteira das malas trazer sua bagagem. Você não me viu. A porta tornou a fechar. E o coração voltou a bater com mais força, saindo pela boca. Você veio e estava a menos de 100 metros de mim. Eu sorri... e ri. Aos olhos estranhos eu era um louco rindo só, mas para mim eram meses de promessas virtuais se transformando em realidade ali na minha frente.


E fez-se silêncio e a porta se abriu. O olhar disperso, buscando-me perdidamente. Quanta beleza. Uma mistura de emoções tomou conta de mim. Minhas pernas e mãos tremiam, meus olhos ameaçaram se encharcar, meu coração era audível do outro lado do mundo. Mentalmente agradeci por alguém lá em cima ter me concedido tal momento. E a porta se fechou pela última vez atrás de você bem no momento que nos avistamos.


Acenei, abri os braços e te esperei neles. E te toquei pela primeira vez, o abraço mais quente e carinhoso da minha vida, um abraço silencioso, mas que grita sentimentos guardados a tempos. Não faço idéia de quanto tempo durou a eternidade daquele momento. E quando o silêncio não era mais necessário, ali, no meio do aeroporto, com toda aquela gente ao redor, sussurrei bem próximo ao teu ouvido...


ACOOOOOOOOOOOOOORDA, A AULA DE NEFROLOGIA JÁ VAI COMEÇAR.


E foi perfeito.

Um comentário:

Unknown disse...

hum...pareço conhecer esta história...