sexta-feira, 30 de abril de 2010

Lembranças de um ano perfeito (parte IV)

Revoltei nessa época e resolvi fazer um negócio que eu sempre tive vontade: coloquei meu piercing. Deu uma piração na minha cabeça e sai de casa um dia com o intuito de voltar com o piercing. Cheguei ao local de aplicação e fiquei lá uma hora olhando as jóias de piercing e escolhendo onde seria. Na língua? No queixo? Na orelha? Resolvi colocar um transversal na orelha. Depois de muito medo, de muito pensar e repensar, criei coragem e mandei a moça colocar. "Não se preocupe, a gente coloca aqui um anestesicozin e não dói nada." Só se for a BUNDA dela que não doeu na hora. Amaldiçoei até a quinta geração da família daquela vaca. Mas tava feito. Agora vinha o mais difícil, chegar em casa e mostrar para os meus pais.

"MEU DEUS DO CÉU? QUEM FOI QUE FEZ ISSO NA SUA ORELHA?! ISSO É COISA DE MARGINAL, VÃO TE SURRAR NA RUA, PODE TIRAR ISSO!!!"

Quase que eu respondo que tinha sido um marginal que tinha me visto na rua e tinha me obrigado a furar a orelha, mas vendo a reação deles achei que não era momento para piadas. Após muita briga, nhé nhé nhé, blá blá blá, eles viram que eu já tinha furado, não tinha mais volta e pronto! Pelo menos isso pra me alegrar, após aqueles bombásticos resultados vestibulescos.

E lá estava eu mais um dia no cursinho, com meu piercing na orelha. Estava do lado de fora conversando com alguns amigos. Eis que surge uma pessoa que eu nunca havia visto na vida, olha pra minha cara e fala:

"TU É BIXO NÉ?"

Não sei em que planeta essa forma de tratar é normal, mas no meu não era assim que se começava uma conversa com alguém que você nunca viu. Vai entender né? Devo ter ficado com cara de "QuePorraÉEssa?NãoEntendi", porque logo ele me falou que estudava no curso que eu quase passei e que eu iria passar também. Passei da cara de "QuePorraÉEssa?NãoEntendi." para a cara "Mentira!FalaSério?". Claro, óbvio, evidente, eu continuei não acreditando naquilo. Melhor não criar esperanças, mas claro, iria no dia da matrícula, vai que dá uma zebra e alguém resolver morrer com cinco tiros na cabeça. Seria sorte demais.

Na mesma noite voltei a entrar na tal comunidade da turma que eu quase fiz parte. Foi então que num dos tópicos eu vi quantas pessoas iriam entrar. Haviam achado pessoas que tinham passado em outra faculdade, inclusive na UNICAMP, UnB, ITA, HARVARD, NASA... Ou seja, se isso realmente fosse verdade talvez eu tivesse ainda alguma chance de disputar uma vaga naquele curso. Foi a deixa pra eu não conseguir mais me concentrar em nada.

Nem estudava, nem ia mais pra aula, não sabia se ria ou se chorava. Uma semana antes da matrícula lá estava eu numa festa. DE FORRÓ!!! Absurdo! E BEBENDO!!! Mais absurdo ainda! Até hoje não sei bem porque estava bebendo, se para comemorar, ou para esquecer um pouco daquele estresse de não saber se ia dar certo ou não. Sei que bebi, e muito. Foi o primeiro porre da minha vida. Vodkazinha. Teve uma hora que ela desceu meio quadrada (não querendo fazer alusão àquela que desce redonda) e começou a baixaria. Meus olhos nessa hora já estavam trocados, o direito olhava pra esquerda e o esquerdo olhava pra direita, tava tudo embassado. E o estômago começou a dar cambalhotas. E o mundo começou a girar numa incrível Roda Gigante. Então me sentei. Foi aí que o mundo começou a girar mais depressa. E a pálpebra começou a cair (ptose?).

E então, como naquelas fontes de praça onde os anjos soltam água pela boca fazendo aquela curvinha, eu vomitei. Foi longe, acertei o salto de uma moça à 15 metros de mim. E a cabeça começou a doer, o mundo começou a girar ao contrário e o vômito saindo. "Dizem que depois que vomita melhora." - pensei. Claro que é mentira, depois que vomitei, vomitei denovo, não com a mesma intensidade, acredito ter atingido apenas 8 metros de distância dessa vez. Uma hora eu sei que me levaram pro carro pra ir simbora. E foi igual à Tele Sena que de hora em hora informa o resultado final do sorteio. De hora em hora em vomitava... na verdade a cada 10 minutos eu jogava alguma coisa pra fora durante o percurso de carro pra casa. E quando eu imaginava que não tinha mais nada pra sair de dentro de mim pela boca, saía. A próstata foi simbora no primeiro vestibular, o fígado no segundo, acho que devo ter vomitado nesse dia meus dois pulmões, baço, bexiga e tireóide.

Cheguei em casa só o Piper chupado, cuspido e pisado. Minha mãe deve ter pensado: "Ou ele está comemorando, ou está enchendo a cara pra esquecer que não passou. Tadinho." Ainda bem que ela pensou isso e eu não escutei uns bons gritos que ela me daria caso não fosse por essa desculpa. Deitei na cama e só no outro dia...

E então, cinco dias depois, lá estava eu com meus documentos em mãos para fazer (ou não) a tal matrícula tão esperada há 4 anos. Levei bem mais do que o necessário: certidão de nascimento (original, xerox autenticada e não autenticada), foto 3x4 (datada, não datada, antiga e recente), histórico escolar, certificado de conclusão do ensino médio, do ensino fundamental e do ensino infantil, carteira de serviço militar, cpf (com xerox), carteira de identidade (com xerox), carteira de trabalho, carteira de habilitação, título de eleitor, cartão de vacinação, cartão do Banco do Brasil, cartão do Itau, cartão das Lojas Americanas, cartão da Renner, cartão do bolsa-família, vale transporte, tiquet alimentação, senha do orkut e do MSN, dentre algumas outras coisas.

E então começou a chamada dos classificáveis. 45 pessoas precisavam serem chamadas, é gente demais. Começou a bater o desespero. "Jupira", daí o povo gritava "FALTOU". E o carinha chamava o nome mais duas vezes e o povo gritava "FALTOU". Foi me dando um aperto, um nervosismo... E comecei a achar graça da putaria. Quem realmente ia se matricular tinha que passar por um corredor onde todo mundo tinha tinta, espuma, confete, pra jogar na gente. E depois o povo saía todo sujo. E chamaram Jupira que faltou, Orestes que faltou, Susete que se matriculou, de um por um o povo foi entrando. Até que uma hora lá...

CARLOTA JOAQUINA - E lá foi ela morta de feliz
PABLO NERUDA - E lá foi ele morto de feliz
............................ (entenda isso como algo que eu não escutei). E foi daí que ele chamou de novo e eu escutei mais claramente: FULANO DE TAL. Era eu, era eu! Daí uma maré de gente me empurrou e os sinos soaram, uma música ao fundo tocou (era Aleluia, aleluia aleluia, aleluiaaaaa), os gritos da multidão (VAI IDIOTA, TÃO TE CHAMANDO!), e quando eu abri um sorriso do tamanho do mundo para expressar toda minha felicidade... tomei tinta na cara, farinha de trigo no olho, puxaram minha cueca, buzinaram uma trombeta no meu ouvido, me empurraram...

Entrei no local da matrícula semi-avatar. Tinha tinta até na alma, farinha até no cérebro. Mas estava lá. Entreguei minha pasta (que mais parecia uma mala com a quantidade de coisas dentro) para a mocinha e ela me deu uns papéis para preencher. Rapidamente e nervosamente preenchi, com medo de errar meu nome, errar meu endereço, colar minha identidade onde era pra colar cpf, colar de cabeça pra baixo, cortar meu rosto da foto de tanto que eu tremia. E ainda veio um povo sem vergonha me oferecer cartão de créditos.

"Vamos lá jovem solicitar o seu cartão de créditos? Você não paga mensalidade até daqui a um ano, só começa a pagar no ano que vem e já recebe o cartão desbloqueado com um crédito de R$1000,00 para gastar. Vamos?"

Burramente caí na besteira de fazer um cartão, mas na verdade eu deveria ter berrado:

NÃO TENHO DINHEIRO, MINHA MÃE TÁ DESEMPREGADA, MEU PAI FUGIU DE CASA COM OUTRA MULHER, NOS ABANDONOU, PASSO FOME, PEÇO ESMOLA, NÃO TENHO HABITAÇÃO, LEVEI UMA SURRA POR ESTAR AQUI, POIS EU DEVERIA ESTAR NO SINAL PEDINDO DINHEIRO PRA CONSEGUIR A JANTA DE HOJE. ME DÁ UM REAL MOÇA DO CARTÃO? MORRA!!!

Não foi bem o que eu disse, até hoje recebo correspondência me cobrando anuidade! ¬¬
Então, peguei meus documentos entreguei para a mulher e ela falou as palavras mais lindas que eu já tinha escutado nos últimos tempos: CADÊ O CERTIFICADO? Ops, entreguei o certificado. Daí ela falou as reais palavras mais lindas: PARABÉNS, VOCÊ ESTÁ MATRICULADO. E então entrei nessa vida lastimável que me encontro hoje... Estranhamente amo muito tudo isso, mas isso é um papo para outra história...

(fim)

4 comentários:

Unknown disse...

adorei erlon! Essa lembrança de um ano perfeito tá muito boa!! Parece uma epopéia. PARABÉNS! Credo... ainda bem que eu nunca tomei um porre. Deve ser horrível!

Unknown disse...

AMEI! Até chorei lendo tudo isso ;x Lembrando da fase ruim e, CLARO, da vitória triunfante!!! Você venceu! Tenho muito orgulho de fazer parte da sua nova família! Você é FODA!!! ;*

Isabela RB disse...

Já quero conhecer Susete que se matriculou!
Me peido de rir dos teus posts! (num é poste de luz não, viu?)
Você é FODA!!! [2]

Lis disse...

Vou prestar vestibular pra medicina esse ano e adorei ler as suas experiências quanto a isso. Você escreve muito bem. :)